Esse é o caminho que leva até a laguna Humantay em Cusco. Ela é bastante conhecida, e vou lhe dizer que tenho uma foto muito mais bonita, quando cheguei lá em cima, mas ela não significa tanto para mim quanto essa da caminhada. Ver a laguna foi uma recompensa, sabe? E aqui faz todo o sentido a frase de que o caminho vale muito mais do que a chegada. Outras pessoas que fizeram essa caminhada vão lhe dizer que é um pouco íngreme, exige um pouco mais de fôlego, mas ela não é tão difícil, e eu vou ter de concordar, pois não é mesmo, tinha até uma mulher, nesse dia, subindo com o pé quebrado, com gesso e tudo mais. É até vergonhoso admitir, mas ela chegou bem antes no alto da laguna, mas posso lhe garantir que o trajeto para ela não foi tão significativo quanto foi para mim. Chega-se aos 4.200m de altitude à margem do lago, é incrivelmente linda sua paisagem e valeu cada passo até sua chegada, mas até lá existem alguns pontos que desejo compartilhar, e também o por que ela tem um grande significado para mim.
Buscando melhorar essa situação vergonhosa de a mulher do pé quebrado ter chegado antes e fazer a trilha parecer fácil primeiro, ela era esportista, dava para ver por seus braços torneados e pela rapidez como subia, e segundo porque provavelmente ela deve ter respeitado o período recomendado de aclimatação à altitude de Cusco, no caso, de dois dias. Antes de fazer esse tipo de trilha é necessário, pela diferença de altitude – a caminhada começa a 2.800m acima do nível do mar –, e para que não se sofra com o mal da montanha¹, adivinhe, nós não fizemos isso. Já estávamos no Peru há alguns dias, mas na zona central do país, perto das praias, ao nível do mar, e o tempo em Cusco era contado, então deveria ser bem aproveitado e queríamos conhecer a lagoa. Aterrizamos perto das 4 horas da tarde e o ônibus saía de madrugada, pois ainda tinha o percurso de até os pés da montanha onde se encontra a laguna. Durante o trajeto, quando dissemos à guia que estávamos ali fazia menos de doze horas, ela nos olhou com uma cara de “vocês são loucos” e ao mesmo tempo “fiquem tranquilos que vocês vão conseguir”.
Quando eu vi a moça de pé quebrado pensei: “Acho que exageraram nas recomendações, se uma pessoa na situação dela está aqui, vai ser fácil”. Eles oferecem bastões para a subida, para ir se apoiando, mas não adquirimos, fomos na garra e na coragem. Escrevendo essa lembrança aqui consigo me ver de novo naquela subida e me aquece o coração. Pensa em algo íngreme, pensa em calor, em alguns momentos de você pensar por que razão está fazendo aquilo consigo mesmo. A nossa guia, que nos chamava de champions – campeões em inglês –, nos avisou que tínhamos uma hora para chegar até lá em cima para tirar fotos e depois descer. Mais uma vez subestimamos aquela subida e jurávamos que em bem menos tempo estaríamos lá em cima. A guia passou por nós e disse uma frase que foi meu mantra até chegar à laguna: “Continua respirando e não para”, e foi o que eu fiz. Cada vez que eu parava para dar uma respirada, meu coração parecia que ia sair pela boca, e a cabeça só dizia: “Desiste, você está no seu limite! O que você quer provar?, você está exausta, pega o cavalo!”. Você pode utilizar cavalos, que ficam em alguns pontos da subida, e eu calei minha mente. Decidi que queria me desafiar e que conseguiria chegar até a laguna com minhas próprias pernas.
São 3,5km de subida e mais a descida, resultando em 7km no total. Foi mais de uma hora a subida, e meu trabalho mental foi intenso, constante e bastante desenvolvido naquela oportunidade. Eu estava na frente na subida, deixando para trás pessoas com físico e fôlego muito melhores que o meu, mas minha cabeça estava ali trabalhando a meu favor, quando ela pensava que ia conseguir se espalhar e ocupar espaço suficiente para me fazer desistir, eu ligava o alerta, lembrava da frase da guia, além de olhar para o topo e pensar “eu só paro quando chegar lá em cima”, e ia diminuindo significativamente os tempos de descanso e somente molhando os lábios, mesmo que a vontade fosse de tomar muita água. Quando chegamos e vi aquela beleza toda, me senti gratificada por poder vivenciar e ver aquela beleza toda, valeu sim cada escorregada, cada suor, mas saber que eu tinha vencido minha mente durante todo aquele percurso me permitiu descer com o coração estufado de alegria e confiança. Você subiu aquela montanha quase sem preparo e sem aclimatação, você pode fazer o que quiser, é o que eu sempre me digo quando penso que algo é muito difícil. A laguna Humantay foi muito mais que um lugar lindo que pude ver e vivenciar, foi uma oportunidade de testar minhas capacidades e o quanto posso ir além. Por isso sempre digo: se desafie, é recompensador.
P.S.: Se você não leu sobre meu outro desafio pessoal, bem longe da zona de conforto, dá uma olhadinha lá no artigo sobre o surf.
¹ Mal da montanha: Sofrimento físico causado pela dificuldade em se adaptar à menor pressão de oxigênio em altitudes elevadas. Os sintomas incluem dor de cabeça, náuseas, falta de ar e incapacidade de se exercitar.